quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O SONHO DE GODOFREDO

O Sonho de Godofredo

 
Quem não teve sonhos na vida? Pois Mestre Godofredo também os tinha. Mas por que, Mestre? Perguntarão alguns.
Ora, devido a sua aparência, ele usava óculos tipo fundo de garrafa, pois não enxergava um palmo adiante do nariz.
Sua origem nunca ficou muito clara, apareceu e foi ficando. Fazia parte dos móveis e utensílios da Fazenda Berro D’água.
Vivia no mundo da lua, perdido em devaneios e idéias mirabolantes.
A cada dia reinventava a vida, ora era soldado, dali a pouco era inventor. E como inventava, às vezes perigosamente!
Um dia acordou muito cedo, o dia ainda não tinha clareado, cismou que era 7 de setembro, pegou um jornal velho e rapidamente bolou um chapéu de três bicos.
Colocou na cabeça, ajeitou de um lado e do outro, olhou-se no espelho, fez uma careta, e lá se foi porta afora batendo lata com um bastão de madeira, para desespero de quem queria dormir mais um soninho.
Em compensação, para quem estava acordado, foi um prato cheio, todos gritavam em coro: - E aí Mestre Godofredo, qual é a da vez?
- Vou desfilar na parada militar!!
- Só se for “parada de ônibus”, deixa de ser palhaço, cai na real, volta pro teu canto.
Ele, porém, não estava nem aí, seguiu firme no tambor marcando passo na cadência: um, dois, feijão com arroz; três, quatro, feijão no prato... E lá se foi Godofredo, imaginando sabe-se lá o quê.
Mas, como era destrambelhado, tropeçou numa pedra e desabou de seus quase dois metros de altura, os óculos caíram longe e o pobre, que enxergava mal com eles, sem eles ficou pior ainda. Em vão tentou encontrá-los engatinhando pelo chão. Por fim, deu-se por vencido e sentou a espera de alguém que viesse encontrar os benditos óculos.
Enquanto esperava, massageava o dedão e conjeturava consigo mesmo: - Eu devia ter nascido passarinho, passarinho voa e não tem dedão, não tropeça e não usa óculos e pode viajar para bem longe. Pode atravessar o mar conhecer outras terras!
Era o sonho de Ícaro torturando seus pensamentos e, quando ele pensava, era um perigo!
Nosso heroi criou alma nova quando ouviu a voz de um amigo a perguntar: - Perdeu os óculos?
- Pois é, tropecei e quase arranquei a unha; se eu fosse passarinho, estaria voando em vez de estar aqui sentado.
Uma vez tendo recuperado os óculos, ele viu a vida com mais clareza e voltou para casa, matutando mais uma de suas doidices. Ficou dias enfurnado no seu canto, fato esse preocupante, pois não era de seu feitio essa calmaria aparente. Sua cabeça fervilhava de ideias muito loucas!
Debruçado sobre um papel rabiscava o que seria seu novo projeto: as asas de Godofredo! Caminhava de lá pra cá, abria os braços como se fosse voar, e depois de tantos cálculos partiu para os finalmentes.
Com hastes de bambu e uma colcha velha presa por cordas de varal, construiu uma engenhoca que era um simulacro de asas e ria de orelha a orelha, parecia uma criança em noite de Natal!
Finalmente, chegou o grande dia, o sol estava a pino, o vento norte soprando, mas ele estava ocupado demais para reparar nesses detalhes. Eufórico, colocou a engenhoca nas costas e, assim, travestido de homem pássaro, subiu feito um gato até a copa de uma árvore. Abriu os braços, respirou fundo e se lançou no vazio!
Não teve tempo nem de pensar, uma lufada de vento quente o fez rodopiar no espaço e, na sua insensatez, deixou-se levar aos trancos feito um potro desenfreado.
Contudo, sentiu um frio na espinha ao ser arremessado contra uma figueira centenária, onde ficou pendurado, balançando-se perigosamente.
Foi um corre-corre dos diabos, mas finalmente o resgataram.
Nem assim, com a cara toda amarrotada, ele se deu por vencido; e disse com a maior ingenuidade: - Agora eu sou um passarinho!
- Deixa de ser burro, Godofredo! Passarinho morre de congestão de alpiste, de pelotaço e outros levam chumbo no traseiro. Todos caíram na gargalhada, até o homem pássaro riu da própria desgraça.
Dali, o levaram ao Pronto-Socorro, mas nada de muito sério havia acontecido: apenas uns hematomas e alguns pontos na testa. O médico receitou alguns analgésicos e o liberou, com a seguinte recomendação: - Nada de voar baixo, meu velho, isso é suicídio na certa!


Norma Figueredo

2 comentários:

  1. Adorei a história do Godofredo!
    é envolvente,estive lá o tempo inteiro da leitura.
    penso que cada um de nós tem um pouco de Godofredo dentro de sua cachola....
    rsrs... gente pensa cada coisa?!
    "Godo", é muito criativo e isto tem um preço,as vezes sob a forma de arranhões,pontos na testa ou tiros de chumbo no rabo!!rsrs....
    quero maisssssssssssssss...............!?
    entrou numa perna de pinto saiu numa de pato vosso rei mandou que contasse mais quatro!
    sugiro,uma história sobre o "CANGACEIRO VIRGULINO"!

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  2. Norma, que casa linda voce criou. tudo aqui é belo e aconchegante. Eu já fui Godofredo muitas vezes. E aprendi tambem essa lição: voar baixo é suicidio, pois para corações alados não há limites. obrigada por proporcionar um espaço tão rico. grande bj.

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